sábado, 4 de julho de 2020


A INDELÉVEL PRESENÇA DO HEBRAICO NO RITO ESCOCÊS ANTIGO E ACEITO


Por Rui Samarcos Lora




INTRODUÇÃO

Neste ensaio é apresentada a utilização do idioma hebraico pelo Rito Escocês Antigo e Aceito (REAA), sua aplicação e transliteração equivocada quanto a algumas palavras e a cabal necessidade de utilizá-lo de forma correta, a fim de dar sentido às palavras e significado no uso, fortalecendo o simbolismo e a essência do grau e do rito. No primeiro momento, é demonstrado um breve histórico do hebraico, destacando sua ascensão e queda como idioma no Oriente Médio até seu esplendor com a formação do Estado de Israel. Posteriormente, faz-se uma comparação com o aramaico e, subsequentemente, com o surgimento dos sinais massoréticos. Por fim, apresenta-se breve resumo sobre o surgimento do hebraico no rito e atual uso de algumas palavras, bem como seus significados, demonstrando a necessidade de se empregar a forma correta de utilização dos termos hebraicos do REAA.

HEBRAICO:  UM BREVE HISTÓRICO


Acredita-se que a palavra “hebraico” tenha sua origem remota no ancestral israelita Éber, descendente dos patriarcas bíblicos Noé e Sem (GOROVITS; FRIDLIN, 2006). Na tradição judaica, Éber se recusou a ajudar seu povo na construção da Torre de Babel, então sua língua/idioma não foi confundida como a de todos os outros povos. Ele e sua família mantiveram o idioma original da época e por esta razão o idioma levou o nome de hebraico, uma alusão ao seu nome, Éber (Heber). De toda forma, há outras posições religiosas diferentes quanto a esta questão, mas para o estudo ora em apreço, manteremos essa versão dos fatos, uma vez que o Rito não só coaduna como está embasado na tradição judaico-cristã.

Ademais da palavra “hebraico”, cabe citar outra palavra derivada do mesmo nome que é “hebreu”, referência ao povo que tem o hebraico como idioma. Alguns acadêmicos afirmam que os hebreus também receberam este nome por conta de seu ancestral remoto, ou seja, Éber. Outros já preferem utilizar o significado do nome, isto é, “aquele que atravessa”, fazendo referência à raiz e possível tradução do nome, isto é, “aquele que passa”, “atravessa para o outro lado”, característica marcante daquele povo durante a época migratória na região.

Ainda utilizando das fontes e relatos bíblicos, podemos afirmar que o hebraico é um idioma oriental pertencente ao tronco/família semítica de línguas. Sobre este tronco, devemos dizer que a palavra “semita” também tem sua origem atribuída a um personagem bíblico, neste caso, Sem, isto é, como já visto, um dos filhos de Noé, ancestral dos assírios e de muitos outros povos falantes de idiomas semelhantes provenientes da região do Crescente Fértil. Por esta razão e muitas outras, o hebraico é considerado Língua Sagrada pelo povo judeu, ou, em hebraico transliterado, Lashon HaKodesh, já que os próprios judeus acreditam ter sido a língua escolhida para transmitir a mensagem de Deus à humanidade.

Dito isto, cabe destacar que, passado os milhares de anos desde o estabelecimento do hebraico, pode-se afirmar que o mesmo continua vivo e presente não só como idioma oficial do Estado de Israel, mas, também, como língua litúrgica para toda a comunidade judaica no mundo e, especialmente neste estudo, presente no Rito Escocês Antigo e Aceito. Por esta razão, considera-se essencial estudar sua inserção nos rituais maçônicos do referido Rito, bem como seu correto emprego, face a conexão direta do idioma com a moral filosófica apresentada em cada grau que permeia o rito mais utilizado pela Maçonaria brasileira.

Assim, autores renomados dentro da Maçonaria têm escrito a respeito do idioma e sua presença na Ordem, como é o caso de José Castellani (1993):

“(…) a esmagadora maioria das palavras utilizadas na ritualística maçônica é hebraica, no tocante às palavras Sagradas e de Passe, que servem de reconhecimento entre os maçons e para quilatar a perfeição da Loja composta.” (A Maçonaria e sua Herança Hebraica, CASTELANI, 1993.)

Portanto, nas linhas subsequentes deste artigo, serão abordados alguns pontos chaves para que se possa não só entender o uso do idioma no Rito Escocês Antigo e Aceito, mas, também, para que seja demonstrado como é importante que se use o idioma de forma correta, face aos equívocos correntes que muito tem se perpetuado ao longo dos anos. É exatamente pela falta de pesquisa e estudo a respeito do idioma e de sua utilização no seio da Maçonaria que o entendimento e significado do rito têm sido prejudicados e, até mesmo, alterados, sobremaneira, a verdadeira pronúncia das palavras. O uso correto do idioma e a correta transliteração das palavras empregadas pelo ritual podem abrilhantar e conferir ao rito o verdadeiro objetivo almejado pelos seus criadores, tornando-o solene, alinhado com os princípios maçônicos e devidamente formulado para a construção do edifício social de cada maçom.
Hebraico e Aramaico

Quando se fala a respeito do idioma hebraico, logo vem à mente das pessoas também o aramaico. Isso tem gerado muita confusão a respeito dos dois idiomas. Muitos confundem o hebraico com o aramaico e vice-versa. Ademais, poucos realmente se dedicam a conhecer a origem de cada idioma ou saber qual dos dois surgiu primeiro. Por esta razão, antes de se abordar especificamente o uso das palavras no rito, é importante esclarecer alguns aspectos referentes às duas línguas, bem como sua utilização e em que contexto histórico um substituiu o outro. De igual forma, para entender a diferença e a história dos mencionados idiomas, necessário abordar aspectos históricos e, quiçá, geográficos relacionados ao Oriente Médio. Só assim será possível extrair a essência de cada um e pontuar as similaridades e diferenças entre os dois idiomas semíticos da região em apreço.

Do ponto de vista maçônico, este estudo e pesquisa também se tornam necessários, a fim de demonstrar que a herança hebraica, como já citado anteriormente, está indelevelmente presente no Rito Escocês Antigo e Aceito, influenciando mormente o simbolismo e a ritualística de cada grau. Portanto, não é possível compreender plenamente o significado e alegoria de cada “estágio” dentro da Maçonaria sem uma mínima noção do idioma, do contexto e até mesmo do significado de cada palavra empregada. Por outro lado, compreender não só a tradução das palavras hebraicas utilizadas no rito, mas, também, entender o enredo e a forma com que são empregadas, dão ao simbolismo e ao aprendizado do maçom uma visão completa do ensinamento filosófico dos trinta e três graus do Rito Escocês Antigo e Aceito.

Passando para uma análise mais histórica a respeito da diferença entre hebraico e aramaico e deixando o relato bíblico neste momento, acadêmicos têm discutido até que ponto o hebraico era uma língua vernácula falada nos tempos antigos, após o exílio dos judeus na Babilônia, quando a língua internacional predominante na região era o aramaico antigo. Sabe-se que por volta do século VI a.C., o Império Neo-Babilônico conquistou o antigo Reino de Judá, destruindo boa parte de Jerusalém e exilando sua população. Durante a captura babilônica muitos israelitas foram escravizados pelo Império Babilônico e tiveram que apreender o idioma de seus captores: o aramaico (OSTLER, 2006).

Depois que Ciro, o Grande, Rei da Pérsia, conquistou a Babilônia, ele libertou os israelitas do cativeiro. Com o regresso do povo para sua terra, uma versão local do aramaico passou a ser falada na região juntamente com o hebraico. Este idioma passou a ser utilizado como língua comercial e aos poucos foi se misturando a outros idiomas da região. Assim, aos poucos, o hebraico foi perdendo espaço para o aramaico. Por volta do século III d.C., a sociedade utilizava o aramaico como língua oficial e o hebraico ficou restrito ao uso em cerimonias religiosas, liturgia judaica e canções (SPOLSKY; SHOHAMY, 1999).

De toda forma, há muita discussão entre os teóricos, linguistas e arqueólogos com relação ao uso dos idiomas na região, especialmente com relação à substituição de um pelo outro e a adoção de outros idiomas. Aliás, não é pretensão deste artigo colocar um “ponto final” nas teorias ou discussões sobre a origem e formação dos dois idiomas. Entretanto, importante notar que pesquisas recentes demonstram que ambas as línguas coexistiram, simultaneamente, logo após o exílio dos israelitas na Babilônia, levando-nos a acreditar que o hebraico deixou de ser falado por vota de 200 d.C (BORRÁS, 1999).

Com este cenário, passamos a observar um “país” com três idiomas, a saber: o hebraico; então ligado à liturgia, à religião, às origens e história da época de ouro; o aramaico, que funcionava como a língua internacional que possibilitava o contato com o restante do Oriente Médio; e, eventualmente, o grego, que era uma segunda língua internacional para comunicação com o Império Romano juntamente com o latim. Em resumo, temos: o grego como língua do governo, o hebraico como língua religiosa, e o aramaico como sendo língua comercial (SPOLKY, 1985).

Com o passar dos anos, especialmente durante a época do Novo Testamento, o hebraico foi praticamente extinto como língua falada na região, mas continuou a ser usado como língua litúrgica e cerimonial para o povo judeu até o seu renascimento no século XIX. Cabe dizer, ainda, que o hebraico foi utilizado para escrever o Pentateuco, a Torá, que os judeus religiosos consideram ter sido escrita na época de Moisés, cerca de 3.300 anos atrás.

Com relação ao aramaico, cabe mencionar que este foi o idioma falado por Jesus, o Cristo, Yeshua, em hebraico, e ainda hoje é a língua materna de algumas pequenas comunidades no Oriente Médio, especialmente no interior da Síria. Importante mencionar que o aramaico também serviu como língua para diversos impérios e administrações ao longo dos tempos na referida região. Também foi idioma utilizado para religião, como foi o caso dos primórdios da religião cristã, naquela época ainda considerada uma espécie de judaísmo reformado pregado por Jesus durante suas andanças na Galileia. Com este uso do aramaico, percebe-se que vários dialetos foram formados a partir do idioma e, como eram distintos entre si, alguns passaram até a ser considerado um novo idioma (SMART, 2013). A fim de distinguir de maneira mais clara o uso do idioma, pode-se dizer, ainda, que, no caso do aramaico, o mesmo serviu como língua comercial durante a época da escritura do Novo Testamento.

Atualmente é um idioma muito pouco falado, correndo risco de ser considerado idioma morto. Não obstante, ainda podem ser encontrados falantes do idioma no interior da Síria, nos vilarejos cristãos de Maalula e Yabrud. Isso talvez esteja associado a relatos de que Jesus tenha se hospedado por três dias em Yabrud e, também, em outras aldeias da Mesopotâmia, como, por exemplo, Tur’Abdin no sul da Turquia, por isso a influência do idioma até hoje é notada nessas comunidades (OKA, 2007).

Com o passar dos anos, o aramaico foi substituído, nos países muçulmanos, pelo árabe, com exceção de Israel que viu o hebraico renascer no final do século XIX e começo do século XX. O hebraico é hoje o idioma oficial do Estado de Israel e falado por mais de dez milhões de pessoas no mundo inteiro. Com o ressurgimento do hebraico foram adotados alguns elementos dos idiomas árabe, latino, iídiche, e outras línguas que acompanharam a Diáspora Judaica como língua falada pela maioria dos habitantes do Estado de Israel.
A solução massoreta e o problema maçônico

Sobre o uso errôneo do hebraico, possíveis dificuldades de interpretação e mau emprego das palavras, traduções e transliterações do idioma no REAA, importante conhecer o surgimento dos sinais massoréticos no hebraico, uma vez que, sem o prévio conhecimento deles, dificilmente seria possível ler o hebraico de maneira correta. É por esta razão que muitas palavras do REAA podem ter mais de uma pronuncia, gerando confusão quanto ao emprego. Assim, na medida em que os referidos sinais foram a solução para a perpetuidade do hebraico, hoje sem o seu estudo e conhecimento pode vir a ser um problema para o entendimento das palavras na Maçonaria.

Antes de discutir as dificuldades encontradas pela Maçonaria com relação ao emprego correto do hebraico, é mister esclarecer que a escrita hebraica antiga não possuía vogais. A vocalização das palavras era transmitida pela tradição, isto é, de pai para filho, de geração em geração, como os costumes e tradições do povo judeu. Dessa forma, quando uma palavra era escrita ou dita, ela era feita somente com o uso de consoantes, mas por conta da tradição que era passada, sabia-se a verdadeira pronúncia da palavra, sem a necessidade do emprego de vogais e assim funcionou por muitas gerações.

Com o passar do tempo e com a migração do povo judeu para outras regiões, inclusive com alteração do idioma, surgiu o receio de que o idioma desaparecesse, assim como a pronúncia correta das palavras fosse perdida, especialmente pela mudança do uso do hebraico para o aramaico na região. Isso aconteceu não só com o idioma, como também ocorreu com a própria tradição oral, ou seja, com receio de que toda a tradição oral um dia fosse perdida, resolveu-se escrever a tradução oral, o que foi reunido em vários volumes chamados de Talmud, a fim de que os comentários e detalhes bíblicos não fossem perdidos e esquecidos pelo povo judeu. No que diz respeito ao idioma hebraico, as primeiras experiências com o uso de sinais vocálicos foram aplicadas, exatamente, no texto do Talmud.

A comunidade judaica exilada, no século V, desenvolveu pontos que ficavam acima das consoantes e estes pontos passaram a ser “vogais”, ao menos davam o som e facilitavam a leitura do idioma. Com o passar do tempo estes pontos foram alterados e passaram a vigorar debaixo das consoantes. Ademais, uma série de comentários e anotações passou-se a ser feitas, a fim de que fosse possível preservar não só o idioma, mas, também sua pronúncia correta. Essas notas eram chamadas de Massorá e os responsáveis pelas notas passaram a ser chamados de Massoretas. Com isso, os sinais e acentos ficaram conhecidos como sinais massoréticos. A padronização dos sinais e pontuação criados pelos massoretas se deu por volta do século X com o trabalho das famílias ben Asher e ben Naphtali. A título de esclarecimento, interessante notar que o texto do Antigo Testamento que consta atualmente em nossas Bíblias é baseado nos textos massoréticos.

Para a Maçonaria, a importância em se estudar este tópico reside no fato de muitas palavras hebraicas usadas pelo REAA causarem questionamentos, dúvidas e formas diferentes de uso e aplicação, variando conforme região, país e, até mesmo, Lojas. Uma das hipóteses que justifica o mau uso das palavras ou pronúncias equivocadas de cada uma delas pode estar intimamente associada à falta da utilização dos sinais massoréticos, causando duplicidade de interpretação nas palavras com relação ao uso de vogais, mesmo sabendo ser possível ler as palavras sem os sinais. Um exemplo muito comum de divergências de pronúncia é com relação à palavra Boaz. Em algumas Lojas a palavra em apreço é utilizada como Booz. Isto pode acontecer por ausência dos sinais massoréticos, causando uma versão paralela, confusão ou uma transliteração errônea da palavra do hebraico para outro idioma, chegando ao português de forma errada.

Outro exemplo muito comum é o próprio uso do tetragrama sagrado, isto é, o nome de Deus (Yud-Hey-Vav-Hey). Com a diversidade de traduções, passou-se a adotar várias formas de se ler o nome sagrado de Deus, isto é: Yave, Jeová, Yafé, Javé, Jehová, dentre muitas outras. Como se pode perceber, a divergência no nome se dá basicamente pela alteração das vogais, permanecendo as consoantes as mesmas do nome. Neste ponto, recorda-se que as letras “y” e “j” assumem papéis diferentes dependendo do idioma que faz a transliteração, por isso a letra hebraica “yud” torna-se “j” ou “y” na transliteração do idioma. Assim, entender o uso correto das vogais empregadas pelos massoretas é fundamental para evitar erro de pronuncia ou grafia. No caso do nome de Deus, acredita-se, ainda, na teoria de que, como ele é impronunciável e religiosamente substituído por outros nomes, pode ser que propositadamente os massoretas tenham retirado as vogais, evitando, assim, que o nome de Deus fosse pronunciado em vão.
O Hebraico no REAA

Como visto no tópico anterior, a linguagem simbólica do REAA está repleta de palavras hebraicas como Boaz, Jachin, Adonai, Yud, BenShorim, Jabulon, dentre muitas outras. Alguns autores acreditam que estas palavras tenham surgido por meio de comentários e influência de leituras do Velho Testamento. Outros afirmam que ilustres maçons judeus, no ato de criação do rito, aproveitaram para inserir elementos e palavras comuns de influência hebraica, especialmente por conta da Kabalá, muito em voga em ordens como a Maçonaria.

Boa parte destas citações e influência do idioma e tradição hebraica e até mesmo das palavras empregadas no ritual maçônico estão relacionadas à construção do Templo de Salomão. Ademais, cabe destacar que um dos maiores símbolos dos templos maçônicos é a presença física predominante dos pilares/colunas “J” e “B”. Além disso, recorda-se que, como referência e registro maçônico de documentos e datas, a ordem maçônica se utiliza muitas vezes do calendário lunar/hebraico, empregando não só a data como os meses hebraicos, muitas vezes, diga-se de passagem, de forma equivocada.

A fim de evitar especulações a respeito do tema, importante analisar alguns comentários de conhecidos estudiosos do assunto para que se possa tirar algumas conclusões. No que diz respeito à presença do hebraico no REAA, o antigo e renomado Soberano Grande Comendador, Albert Pike, afirma em sua famosa obra, Moral e Dogma, o seguinte:

“Fed by the biblical roots of early Masonic rituals and encouraged by the wealth of material to be found in the Scriptures, the early rituals of the Rite of Perfection were heavily laden with biblical stories. Consistente with the theme of religious tolerance manifested early in Freemasonry, the majority of the ritual outlines emphasized Old Testament stories. As these rituals wended their way into the Scottish Rite, this emphasis was maintained, and Pike dared not make significant changes in it. Further, encouraged by the mystical speculations of the Kabbalah, both the Pike Ritual and the lectures in Moral and Dogma are heavily laden with Jewish symbolism and folk narratives.” (Morals and Dogma of the Ancient and Accepted Scottish Rite of Freemasonry, PIKE, 2011, p. 1003)

Isto é, o REAA teria sido criado a partir de análises e estudo das escrituras sagradas, especialmente influenciado pelo Velho Testamento. De fato, há uma profunda relação com o contexto bíblico, principalmente no que diz respeito à construção do Templo de Salomão, como já dito, e, também, pela influência e esoterismo presente na Kabalá. Assim, coube aos doutrinadores e elaboradores do rito dar sentido e aderir diversos elementos e significados. Por sua vez, o hebraico não poderia ser deixado de lado e a utilização de “palavras-chaves” no ritual foi uma forma de aproximar o ritual com o contexto original do Livro da Lei. Dessa forma, adotou-se palavras e símbolos alusivos à tradição judaica e preencheu -se o ritual com este significado que tanto diz respeito ao judaísmo.

Ainda sobre o tema, cabe dizer que Pike era fluente em dezesseis idiomas, inclusive o hebraico, o que pode ter, de alguma forma, contribuído para a utilização de várias palavras. Ele também foi o responsável por consolidar e unificar o REAA, conforme consta em sua biografia, a saber:

Mesmo antes de ser eleito Soberano Grande Comendador, Pike assumiu uma das lideranças intelectuais do Rito Escocês Antigo e Aceito, ao lado de outro eminente estudioso, Albert G. Mackey, sendo que este último dedicou uma de suas maiores obras, o Léxico da Franco-Maçonaria, de 1869, a Albert Pike, em seu prefácio.

Ao unir-se ao Supremo Conselho da Jurisdição Meridional, Albert Pike encontrou uma situação caótica: os Rituais encontravam-se tão desorganizados que muitas Lojas adotaram procedimentos ritualísticos próprios; a estrutura administrativa do Supremo Conselho não possuía qualquer controle sobre seus membros e os serviços de benemerência inexistiam.

Pike, nesta tarefa hercúlea a que se propôs, fortaleceu os ensinamentos do Rito Escocês Antigo e Aceito, expurgando todo o sectarismo e adversidade política do conteúdo dos Rituais, estabelecendo uma rota de desenvolvimento intelectual, o que colocou o Supremo Conselho da Jurisdição Meridional na posição de mais influente e atuante de todo o mundo. Ele engrandeceu o conteúdo das Instruções aos diversos Graus com um amplo conhecimento das culturas antigas – conhecia fluentemente sânscrito, hebraico, grego e latim – fundamentando e comprovando o que antes era apenas perceptível em nossos Rituais.

Assim como Pike, outro ilustre membro da Ordem, Albert Mackey, grande escritor e maçom de origem alemã, foi um grande estudioso e linguista, também Oficial do Supremo Conselho e profundo estudioso do simbolismo e tradições do oriente, como a filosofia judaica, por exemplo, e, especialmente leitor de obras como o Talmude relacionadas à Kabalá, o que só reforça a ideia de que esta influência poderia ter contribuído de forma crucial para a inserção e delineamento da indelével presença do hebraico no REAA.

Importante notar que muita especulação e confusão existem na criação e concepção dos ritos, especialmente com relação à influência cabalista, como foi citado. De acordo com Cortez (2009), muitas dessas citações podem ter surgido por meio de aproveitadores e charlatões que tinham interesses particulares, causando controvérsias no que diz respeito à origem e, até mesmo, às influências que o Rito Escocês sofreu ao longo dos anos. Uma das figuras que muito se fala a respeito dessas influências é o controverso Conde Cagliostro, dando margem a informações e versões dos fatos que atrapalham uma pesquisa mais séria e voltada para o real uso das palavras hebraicas, comprometendo assim, a interpretação das alegorias e simbolismos, principalmente no que diz respeito ao uso do idioma hebraico no rito.

Há, ainda, alguns estudiosos que afirmam que o rito teria sido criado por judeus e, por esta razão, existem tantos elementos judaicos ao rito, mormente o idioma hebraico em suas diversas palavras de passe, sagrada e de reconhecimento da Ordem. Sobre este aspecto, esta vertente está alinhada com o pensamento de que o judeu Stephen Morin, um dos fundadores do REAA na América, teria incorporado elementos judaicos ao rito durante sua criação. Entretanto, não há evidência comprovada a este respeito, mas é provável que outros judeus maçons da época, como M. M. Hays e Isaac da Costa, por exemplo, tenham, também, inserido elementos hebraicos ao rito (CORTEZ, 2009).

A respeito dessas tendências e especulações, uma das possíveis hipóteses no que tange a influência judaica no rito consiste no fato de que a Maçonaria, ao ser introduzida na Carolina do Sul, teria sido levada por um seleto grupo de judeus e isso pode ter gerado parte dos boatos e teorias que justificam a influência do hebraico no REAA. Ainda assim, há controvérsias sobre a veracidade dessa informação (MACKEY, 1879). Isto porque a Maçonaria teria sido introduzida na Carolina do Sul por volta do ano de 1736 (DE SAUSSURE , 1878). Já o REAA, com seu sistema de trinta e três graus, parece ter sido instituído somente em 1786, em Charleston, alguns anos depois. De toda forma, a atual organização do Supremo Conselho do REAA não estava concluída até 1801, isto é, mais de cinquenta anos depois. Sendo assim, os judeus que receberam seus graus diretamente ou indiretamente de Morin nunca atingiram qualquer grau maior do que o 25º do Rito de Perfeição (STEVENS, 1899).

Dificilmente será possível precisar a forma com a qual o hebraico foi introduzido no rito, mas há pontos e tendências que nos ajudam a interpretar e desenvolver leituras e pesquisas que apresentam traços mais claros a respeito dessa influência. Seja por maçons que tinham origem judaica, sejam por maçons que vislumbravam em estudos como a Kabalá e a história contida no Antigo Testamento, o importante neste momento é dar o devido reconhecimento a marcante presença do hebraico no REAA, assim como seguir com seu estudo e significado para cada etapa do ritual, assegurando o objetivo daqueles que instituíram o que seria o manual de procedimentos para a conduta e o ensino dos princípios e moral maçônicos dentro da Ordem.
“O Hebraico Maçônico”

Neste ponto, a fim de preservar e não quebrar o sigilo maçônico do ritual, a exemplo do que José Castellani fez em seus livros, a saber: “A Maçonaria e sua Herança Hebraica” e “Shemá Israel”, será citada neste item as palavras sem mencionar o grau e a ocasião em que se usam, apenas a título de esclarecimento. Assim, inicialmente, pode-se mencionar como o que talvez seja uma das palavras hebraica que mais se “visita” no REAA, isto é, o tetragrama sagrado Yud-Hei-Vav-Hei. A palavra em apreço, impronunciável tanto no hebraico – pelo fato de nem sempre ser escrita com os sinais massoréticos – como na Maçonaria, faz parte dos estudos e de muita discussão no seio do REAA. A este respeito, devemos, ainda, lembrar que alguns rituais escrevem de maneira errada a transliteração do referido nome, além de traduzir a letra “yud” como “yod”, perpetuando o erro em diversos rituais brasileiros.

Uma das hipóteses aventadas para o emprego ou uso incorreto do hebraico e sua transliteração e, por sua vez, pronúncia das palavras hebraicas, é o fato de os rituais não terem sido originalmente traduzidos diretamente para o português ou, ainda, ter passado por diversas versões até chegar à forma que conhecemos hoje. Dessa forma, as palavras hebraicas não sofreram alteração de transliteração para o idioma. Como bem sabemos, o hebraico se utiliza de outro alfabeto e para aqueles que não dominam a leitura é utilizada uma transliteração no idioma pátrio de como se deveria ler a palavra. Assim, por exemplo, a letra yud, hoje utilizada como yod, poderia ter sido trazida de ritual americano onde a pronuncia hebraica correta da letra seria grafada como yod e lida em inglês, pronunciada como yud.

Outro exemplo curioso e que gera discussões longas e até mesmo de cunho filosófico é a palavra Boaz, como já mencionado. Muitos acreditam ser grafada como Booz, entretanto, talvez por razões e emprego dos sinais massoréticos, dúvidas possam ter sido criadas quanto à correta pronúncia da palavra que, buscando na versão original em hebraico, percebemos que a forma correta é Boaz.

Ao continuar com a análise, pode-se citar a curiosa palavra shibolet que por erro de acentuação muitos a pronunciam como shibolé quando, na verdade, o acento é no “o”, isto é, shibólet, lembrando que há um “t” no final pronunciado. Esta palavra, que nos concita estudar um pouco um “fenômeno linguístico” muito interessante, demonstra a peculiaridade da letra hebraica shin, isto é, acrescida de um simples “ponto”, ou seja, um sinal massorético similar ao “pingo do i”, assume a pronúncia sin. Daí temos duas pronúncias no ritual: shibólet ou sibólet, sendo explicada a diferença por meio de uma lenda atribuída ao grau em que ela é utilizada.

Esta peculiaridade da língua também pode ser percebida no uso da palavra “Palestina”, por exemplo. Sem entrar no mérito político ou religioso, apenas levantando questões relacionadas à curiosidade da língua, sabe-se que a palavra “Palestina” foi empregada pelos romanos para determinar o local onde os filisteus habitavam. Em 638 d.C, um califa árabe muçulmano tomou a Palestina das mãos dos bizantinos e a anexou ao império árabe-muçulmano. Os árabes adotaram o nome dado pelos romanos, pronunciando-o como “Falastina”, ao invés de “Palestina”, pois na língua árabe não há o som de “p”. Isto nos leva a refletir se a lenda atribuída à palavra sibólet também não está relacionada a esse fenômeno linguístico.

Estes são alguns dos inúmeros exemplos de palavras hebraicas que encontramos no REAA. Fora o emprego filosófico e moral delas, pode-se, ainda, atribuir estudos numerológicos por meio da guemátria, arte milenar de decodificar letras em números, entretanto, este seria tema para outro artigo, tendo em vista que envolveria questões esotéricas e numerológicas a respeito do simbolismo e decodificação de palavras associando à moral e detalhamento dos graus.
Conclusão

A presença do idioma hebraico no Rito Escocês Antigo e Aceito é uma realidade. A influência de judeus, estudiosos esotéricos, religiosos, herméticos, dentre muitos outros autores maçons contribuíram sobremaneira para que o idioma fosse inserido em cada grau e lenda do rito, atribuindo significado, conteúdo e alegoria cabal para interpretação e entendimento do sistema de graus criado.

Desafortunadamente, não será possível atribuir uma única história ou um único autor e motivo para o uso do hebraico no rito. Como visto neste artigo, especulações, teorias mal explicadas e até mesmo charlatões tentaram ao longo dos anos explicar a utilização e dar certa autoria para a criação e significado ao uso do idioma. Pode-se afirmar, ainda, que será muito difícil comprovar como e onde surgiu a influência do idioma hebraico, de onde surgiram e como surgiram as palavras hebraicas dos trinta e três graus no REAA. Entretanto, a influência do relato bíblico do Antigo Testamento, em especial no que diz respeito à construção do Templo de Salomão, é fonte primária para qualquer pesquisa a respeito do tema.

Não obstante, a importância deste artigo é a de chamar a atenção para a necessidade de se estudar e procurar a forma correta, bem como a tradução de cada palavra apresentada pelo nosso rito. A palavra hebraica de cada grau é parte essencial para o entendimento completo do estudo a ser ministrado em cada etapa do REAA. Não só as palavras, mas, também o simbolismo e alegoria de cada elemento influenciado pela cultura hebraica. Com o passar do tempo e com a forma “automática” com que muitas Lojas têm “atropelado” o ritual, esses pontos podem passar a cair no esquecimento, deixando de lado uma das partes mais repletas de significado para a Ordem. Por esta razão, estudar o idioma, seu uso e sua influência, é elemento fundamental para se entender o REAA e, por sua vez, a Maçonaria de uma forma concatenada.

Autor: Rui Samarcos Lora

Rui é Mestre Instalado da ‘Loja Atlântida nº 06’ – Grande Loja Maçônica do Distrito Federal, membro ativo da Loja ‘Holy Land nº 50’, jurisdicionada pela Grande Loja do Estado de Israel, especialista em Ciências Políticas pela UnB (Universidade de Brasilia, 2006), bacharel em Relações Internacionais pelo UniCEUB (Centro Universitário de Brasília, 2004), coordenador de Relações Internacionais do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).

Fonte: Revista Ciência e Maçonaria

Referências Bibliográficas
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A Arquitetura do Espírito


A Mística da Pedra


Aquilo que acontece no coração dos maçons que descobriram o verdadeiro significado da Arte Real é comparável ao que acontece no espírito dos alquimistas e dos modernos cientistas. Há uma transformação qualitativa de caráter e um desvelar de visões que lhe permitem ”ver” e sentir melhor o mundo em que vivem. É possível perceber o conjunto no qual se circunscrevem e qual é sua posição relativa em face á ele. Melhor ainda, é possível perceber qual a sua exata configuração nesse todo e sua função num domínio que ele agora sabe, também se compõe em razão das suas atitudes.

Quando ele tem essa visão de conjunto, e essa sensação de pertencialidade, ele então descobre o verdadeiro significado da palavra Fraternidade. E ai ele saberá porque está ali, e porque um dia ele quis ser um maçom. Mas esse é um processo que se cumpre no coração e não na razão.

O triunfo da máquina sobre a mão do homem, na confecção de obras materiais, eliminou da cultura humana a tradição de sacralizar os ofícios. Perdido o elo entre a mente e a matéria, o homem não soube mais como tirar dela obra de criação. Se antes, pelo lavor das mãos, ele podia sentir-se um deus, no sentido de que também criava, agora, suas criações eram apenas mentais e a execução se processava por meios mecânicos, sem aquela interação mente-matéria que possibilitava ao antigo artesão a realização espiritual através do trabalho. Assim, a sacralização do ofício, de operativa passou a ser meramente especulativa.

Milênios passam, as civilizações desaparecem; o tempo tudo devora, as próprias obras confeccionadas pelo homem são consumidas; mas das construções humanas, as que mais resistem são as habitações que ele faz para seus deuses e para seus próprios restos mortais. De todas as grandes civilizações do passado, o que resta são as ruínas de seus templos e de seus cemitérios. E são nessas edificações, erigidas para atender ao desejo de viver eternamente na memória dos homens, que transparece o sentido metafísico da Arte Real, já que nelas o que se imprime é uma imagem vinculada à ideia de imortalidade, só atribuída aos deuses e ao espírito do homem.

Com efeito, pouco resta dos grandes palácios erguidos para uso-fruto dos potentados humanos, e das casas onde residiram os seus construtores. Mas as ruínas dos grandes templos da antiguidade e as majestosas tumbas erigidas para o sepultamento dos seus restos mortais ainda testemunham a magnitude da inteligência dos maçons daqueles tempos.

As primeiras formas de construção produzidas pelos grupos humanos foram as palafitas, casas de madeira erguidas nas margens dos rios. Em seguida foram empregadas as pedras, primeiro em sua forma bruta, depois as trabalhadas. A edificação com pedras brutas marcou o inicio da estabilidade do homem sobre a terra, pois representou o despertar do seu sentimento gregário, sentimento esse marcado pela sua fixação a um certo meio ambiente. Já a construção com pedras trabalhadas lhe deu uma identificação no meio daquele ambiente, pois a partir daquele momento o mundo ficara impregnado de algo que ele criara pelo lavor das próprias mãos.

A pedra sempre foi para o homem um objeto de estranhas propriedades. Nela ele podia sentir um grande poder de resistência, durabilidade e maleabilidade, pois ela, além de poder assumir todas as formas fabricadas pela natureza, também parecia ser perene e resistir a todas as intempéries. Trabalhá-la, dando-lhe formas úteis e agradáveis à vista tornou-se um ritual onde a mente associava-se à matéria para criar o universo real. Nas pedras se cultuavam os deuses, nelas eram escritos seus mandamentos; nelas também se eternizava a memória dos entes queridos e a beleza das formas do gênero humano; com elas também se faziam as muralhas que serviam de defesa para as cidades e algumas espécies de pedras faziam a riqueza de muitos homens.

O culto à pedra sempre esteve presente nas tradições dos povos desde o inicio dos tempos. Nada estranho, portanto, que ela tenha sido escolhida para simbolizar a metafísica fundamental da prática maçônica. O Aprendiz, por um trabalho de conscientização interior, transforma-se numa pedra lavrada. Desbastado de suas asperezas, aparecerá como uma obra de lavor que estará em condições de integrar-se ao edifício universal que é a Maçonaria, aquela Maçonaria, que segundo Ramsay, “é uma grande República, da qual cada Nação é uma família e cada individuo, um filho”.

Da mesma forma que o Aprendiz é essa pedra bruta que precisa ser lavrada para adquirir a personalidade desejada, o Companheiro é a pedra cúbica. Ele representa o material que foi trabalhado e transformado pela iniciação nos Mistérios Maçônicos. Simboliza, na evolução da sociedade humana, uma segunda fase de transição, quando ela passa da mera aglomeração de indivíduos por razões de sobrevivência, para uma organização social que já pode ostentar as primeiras conquistas de um processo civilizatório. Esse processo está registrado na história humana através da construção de edifícios com materiais já mais elaborados, como a pedra lavrada e os tijolos queimados[1].

A pedra, sendo um produto em que a natureza concentra um grande potencial de forças telúricas, é o que mais se presta ao trabalho de arte sacra. Por isso é que a ela se associa, geralmente, um ritual, uma prática de sentido esotérico. Assim faziam, por exemplo, os antigos cortadores de pedra medievais, que no decurso de seus trabalhos diários, recitavam preces e executavam batidas rituais com seus instrumentos de trabalho, para atrair os bons influxos para o individuo e para a comunidade. Para muitos místicos, a pedra é um ser vivo, cheio de energia, a energia que eles chamam lapitus. Essa energia estaria na origem da vida, já que, segundo eles, a vida orgânica teria se originado a partir das transformações sofridas pela matéria bruta. Daí o imenso simbolismo contido nas diversas espécies de pedras. O mármore, como representativo da morte, o granito como símbolo da força, nas pedras dos rios a ideia de evolução, no quartzo e nos cristais a inspiração artística e o êxtase divino, etc.

Não é sem razão também que os alquimistas simbolizavam numa pedra a essência da sua “Obra”. A pedra filosofal era um preparado químico que conteria a alma da natureza, capaz de transmutar metais simples em ouro. De alguma forma, também a mística oriental se vale do simbolismo da pedra para representar a busca da quietude, do equilíbrio e da serenidade, que está na postura do iogue “petrificado”.

Um dos mais marcantes exemplos de trabalho na pedra nos foi dado por Antonio Francisco de Lisboa, o Aleijadinho, o maior escultor brasileiro do período colonial. Suas estátuas, suas figuras de pedra sabão, que enfeitam as igrejas mineiras, mostram bem a excelência do maçom operativo que atingiu a plenitude espiritual através da técnica operativa. No trabalho daquele genial artista se pode “ler” a mensagem maçônica expressa nos gestos, nas feições, na forma e nas medidas com que a sua obra foi composta.

J. Palou, citando P.Sébillot (Légendes et Curiosités dês Métiers)[2], diz que “é interessante observar que ‘machados de pedra polida (são) colocados debaixo das fundações em várias regiões da França’ (…) mormente quando se sabe que na Maçonaria a pedra cúbica em ponta, que representa o companheiro, é muitas vezes feita na forma de um machado, sendo este instrumento próprio da Maçonaria Florestal, simbolizando o fogo purificador e sendo um dos atributos de São João, sob cujo patrocínio são colocadas as Lojas maçônicas”.

Esse é um bom exemplo da mística da pedra, e sua implicações no simbolismo da Maçonaria. Tudo começa na pedra, como na natureza. A partir daí há um longo trabalho iniciático que envolve iniciação, preparação, aperfeiçoamento e acabamento. É preciso não perder de vista esse processo, se quisermos, realmente, entender a Arte Real.
O sentido mítico-hermético da Arte Real

Nesse sentido é interessante observar também a associação que se faz entre a pedra bruta e a Terra-Mãe, princípio substancial da manifestação universal, que faz o iniciado fortalecer-se unicamente em contato com ela, como o herói Anteu, filho de Gea, a Mãe-Terra, que só foi derrotado por Hércules quando este o privou de seu contato com a terra. Esse simbolismo nos diz que a nossa força vem da terra. Privados dela perdemos o elo com a substancialidade que vem do Grande Arquiteto. Por isso não podemos perseguir apenas a ideia de uma espiritualidade ascética, sem participação nos assuntos do mundo. O espírito, como a matéria, se constrói num processo de complementariedade, onde um substrato alimenta o outro, como representado pela serpente cósmica Uraeus, dos egípcios, ou na Ouroboros dos gnósticos e dos hermetistas.

Na forma cúbica encontramos a ideia de estabilidade. Com essa constatação fecha-se o circulo da simbologia expressa nos graus de Aprendiz e Companheiro, no sentido de que é na evolução feita nesses dois graus que se completa a essência da iniciação de um neófito, que tendo superado essas duas fases, estará, finalmente, preparado para ser a pedra angular do edifício maçônico, que é o Mestre.

É importante notar que na antiga Maçonaria operativa não existia o grau de Mestre mas apenas os de Companheiro (fellow) e Aprendizes. O titulo de Mestre era dado apenas ao presidente da Loja, o qual era eleito entre os Companheiros. A extensão desse título a todos os companheiros que são elevados ao terceiro grau é uma criação da Maçonaria especulativa. Por isso é fundamental entender esse simbolismo. O Mestre, na simbologia da Arte Real, é aquele que passou à Câmara do Meio, após ter presenciado e vivido, no espírito, o Drama de Hiram. É uma visão meramente especulativa, que não tem correspondência na prática operativa. Na verdade, nas antigas Lojas dos maçons operativos, o Mestre era um Companheiro escolhido entre os membros desse grau, que assumia a função de supervisor. Era, portanto, uma função e não um título ou uma graduação.

A passagem do operativo para o especulativo exigiu a adaptação dos títulos maçônicos para fins de adequá-los a uma estrutura que, doravante, deveria funcionar como uma espécie de escola. Assim sendo, foi preciso que entre os Companheiros fossem escolhidos alguns Mestres e entre estes um que lhes fosse acima, para administrar e conduzir os trabalhos do grupo. Assim é que Anderson estipula em suas Constituições que “nenhum irmão pode ser supervisor (entenda-se Vigilante), sem antes ter passado pelo grau de Companheiro; nem Mestre (entenda-se Venerável) antes de ter exercido as funções de supervisor (Vigilante).”

No sistema inaugurado pela Maçonaria moderna, portanto, o título de Mestre deve ser visto em sua dimensão simbólica e nunca em termos de hierarquia. O Mestre não é aquele que mais sabe, ou que ensina, mas sim aquele que conhece a acácia, ou seja, aquele que presenciou o Drama de Hiram, e teve seu psiquismo recomposto a partir de sua iniciação nos Mistérios que aquele drama representa. Para tanto é preciso que ele não só “conheça a acácia”, mas saiba, principalmente, qual o verdadeiro significado das alegorias representadas no templo que ele frequenta, e o porque delas serem utilizadas.

Fulcanelli diz que o plano do edifício cristão revela as qualidades da matéria prima e a sua preparação através do sinal da cruz, que resulta na obtenção da primeira pedra , que é a pedra angular da grande obra filosofal[3]. Sobre essa pedra Jesus construiu sua igreja, e os maçons operativos aproveitaram esse simbolismo para seguir o exemplo de Cristo. Mas, na mente supersticiosa daqueles mestres artesãos de antigamente, a pedra bruta, impura, não trabalhada pelas mãos do artista, antes de ser talhada para servir para servir de base á arte gótica, era tida como sendo a imagem do diabo. Por isso, na igreja de Notre Dame de Paris existia um hieróglifo representando a figura de diabo, em cuja boca se apagavam os círios. Essa imagem era chamada pelos fiéis de Maistre Pierre du Coinegt, (pedra mestra angular), sobre a qual repousava toda a estrutura da construção.

Outra comparação interessante que se pode fazer entre o simbolismo maçônico e a antiga arte dos construtores medievais é o sentido mítico-hermético que aqueles irmãos operativos colocavam em suas construções. As catedrais góticas eram construídas de forma a imitar um labirinto, muitas vezes chamado de Labirinto de Salomão. Nele se colocavam as imagens e os mosaicos do piso, sempre com um sentido místico-esotérico, a lembrar que ali se realizava obra iniciática de transmutação espiritual. A orientação do piso representava o caminho que o devoto devia seguir para atingir o coração do templo, onde se realizava o embate final das duas naturezas do homem – a material e a espiritual.

Lembremo-nos que o piso da Loja maçônica é construído com essa mesma intenção. Seu mosaico é disposto no sentido de orientar os irmãos num trajeto que muito tem de bizarro e muitas vezes ininteligível, porque tem que ser trilhado com uma certa rigidez ritualística, cujo objetivo muitas vezes não se alcança sem se pensar no seu significado mítico-hermético. E da mesma forma que as antigas igrejas góticas, os templos maçônicos também têm suas estruturas erguidas de forma a orientar os irmãos a caminhar numa certa direção, de modo tal que sempre entrem pelo ocidente e caminhem em direção ao oriente, local onde a luz se origina.

Nas igrejas de antigamente essa orientação era dada pelo fato de que a Palestina, lugar onde viveu e morreu o Cristo, se situava exatamente no oriente. Assim, toda a orientação da jornada do devoto dentro da igreja gótica era, como na Loja, uma jornada em direção á luz.
Do Ocidente para o Oriente

Eis uma vez mais estabelecida a profunda correlação entre a antiga arte dos construtores medievais e o simbolismo da prática maçônica. Cada profano é uma pedra bruta que deve ser desbastada e a Maçonaria é a arte de desbastar essa pedra. Mas esse não é um trabalho que possa ser feito sem o apoio de uma certa mística. Da mesma forma que na Arte de Hermes, é preciso que o obreiro da Arte Real siga uma orientação adequada para que não se perca no labirinto de símbolos e alegorias que constituem a prática maçônica. É preciso entender essa mística pois senão o irmão correrá o risco de ficar eternamente repetindo gestos, passos, invocações e palavras de passe, sem contudo jamais penetrar-lhes no verdadeiro significado. Isso será mero condicionamento e nunca aquisição de Gnose, ou verdadeiro conhecimento.

A marcha do maçom em busca da luz é sempre uma marcha do Ocidente para o Oriente. Do Ocidente , que é o mundo materializado do homem que vive somente para a satisfação dos sentidos, para o Oriente que é o território espiritualizado daqueles que já superaram essa fase. Isso porque toda manifestação de espiritualidade vem do Oriente. Lá nasceram todas as religiões, todos os grandes profetas, os fundadores de seitas, os criadores de doutrinas espiritualistas, os mais famosos taumaturgos. No plano mais sutil do psiquismo, a marcha do espírito humano é também uma jornada que vai do Ocidente para o Oriente, sendo esse o sentido que pode ser comparado a uma caminhada de fora para dentro de si mesmo. Dessa forma, o templo de Deus, que é o próprio homem, é construído segundo uma orientação que é, ao mesmo tempo, metodológica e geográfica.

Pelo trabalho das mãos se faz a obra do espírito. Daí o porquê ser a Maçonaria uma eterna obra de construção, e o maçom um eterno peregrino em busca da sua Caaba[4]. Essa é a arquitetura que o maçom deve aprender. Uma arquitetura do espírito.

Autor: João Anatalino

PRONÚNCIA DA ACLAMAÇÃO HUZZÉ OU HUZZÊ?

Blog do Ir.´. Pedro Juk

Um Respeitável Irmão da Loja Independência de Nova Friburgo, 2452, REAA, GOB-RJ, Oriente de Nova Friburgo, Estado do Rio de Janeiro, através do News GOB Net, solicita esclarecimentos para o que segue:


HUZZÉ OU HUZZÊ?




Realizo essa consulta com a finalidade de esclarecer pertinente dúvida oriunda da interpretação divergente de nosso Ritual. Praticamos o REAA. Contudo, alguns irmãos da Loja defendem que a Aclamação do Rito é HUZZÊ, com o acento circunflexo no e, conferindo uma tonicidade fechada à palavra. Porém, outros entendem que a pronúncia correta é HUZZÉ, com acento agudo no e, conferindo tonicidade aberta à palavra. Em pesquisas pela internet, encontramos teses que defendem ambas as interpretações. Em razão disto, conclamamos ao Eminente Irmão Secretário de Ritualística que nos esclareça qual a forma CORRETA de pronunciarmos a aclamação do REAA.

CONSIDERAÇÕES.

A pronúncia dessa aclamação é Huzzé, ou seja, com acento agudo na letra "e" que lhe confere tonicidade aberta.Para ilustrar essas considerações, seguem alguns apontamentos com o objetivo de esclarecer e enriquecer um pouco mais o estudo sobre essa aclamação utilizada na liturgia do REAA.

A aclamação Huzzé (com acento agudo), utilizada pela Maçonaria, destaca a influência da cultura árabe e, por extensão, a sabedoria e a arte sarracena. Por ser de constituição eclética, a paulatina construção doutrinária da Sublime Instituição também não deixaria de utilizar inúmeros elementos dessa cultura – é comum se ouvir nas preleções maçônicas que a Sabedoria vem do Oriente e que, de modo emblemático, teriam sido os fenícios os operários construtores do lendário Templo de Jerusalém.

A inegável influência árabe, de tantas outras reminiscências, sobejamente tem tido o desiderato de enriquecer as doutrinas de muitos ritos maçônicos. É o caso, por exemplo, da aclamação Huzzé no REAA.

Não há, porém, como esquecer nessa abordagem, também da cultura hebraica, já que é inegável que em muitos aspectos a língua árabe original possui muita semelhança com a hebraica, o que tem feito, inclusive, com que alguns autores inadvertidamente acabem atribuindo raízes etimológicas contraditórias dando vazão à conceitos muitas vezes falsos e temerários.

Dados esses comentários iniciais, seguem então outras anotações que abordam a relação entre as palavras Huzzé e a Acácia.

Huzzé e a Acácia - por existir uma relação entre essas duas palavras na construção de uma alegoria solsticial muito antiga, alguns tratadistas se utilizando a lei do menor esforço, equivocadamente traduziram a saudação Huzzé! como fosse ela literalmente a espécie vegetal Acácia.

Sem significar Huzzé, o espécime vegetal "acácia", conforme ensina Theobaldo Varolli Filho, é “shittah” em hebraico. De plural “shittin”, o termo aparece relacionado em vários textos Bíblicos – vide a madeira utilizada na construção da Arca da Aliança e os seus varais. Nesse caso, Huzzé não deriva de nenhuma palavra hebraica

Segundo bons tratadistas desse gênero vegetal, a verdadeira acácia é a espécime denominada acácia do nilo (akakia aegipti), ou “vera acácia. Sendo uma árvore leguminosa, é dela que se produz a goma arábica e o tanino[1].

Como um vegetal símbolo utilizado na liturgia da Moderna Maçonaria, ela tem sido dona de um importante conjunto emblemático pertinente ao Terceiro Grau. Nesse sentido, vale a pena mencionar que a legítima acácia é a oriunda do nordeste da África e não se desenvolve no território brasileiro. A que por aqui ocorre é a espécie “acácia negra” de origem australiana. No Brasil ela é encontrada nas regiões tropicais e se dá muito bem na região sul brasileira. Desse modo, seus ramos são aproveitáveis na liturgia maçônica brasileira e substituem o espécime original.

A acácia original (akakia aegipti), é uma árvore resistente que traz nos seus galhos certa quantidade de espinhos. Durante sua florada produz flores esféricas de matiz ligeiramente amarelado. Produz uma madeira de longa durabilidade por não se sujeitar às pragas. Graças a essas qualidades é que ela possui a fama de “eternidade”.

Assim, a madeira da acácia (akakia aegipti) acabou ganhando múltiplas interpretações peculiares à sua durabilidade. No caso da Maçonaria simbólica a sua incorruptibilidade lhe rendeu a divisa de ser um emblema da imortalidade.

Outra característica que lhe rendeu importante representatividade emblemática é a sua flor aveludada, ou radiada e de forma esferoide. Pelo formato irradiado a flor da acácia lembra o Sol, sendo, inclusive, utilizada desde as mais antigas civilizações como um elemento para saudar o astro rei no solstício de inverno. Essa particularidade, em última análise, a fez possuir estreita ligação com a aclamação árabe Huzzé!

Assim, desde os cultos solares da antiguidade já se utilizava a acácia para comemorar a volta do Sol; No Antigo Egito e em certas regiões árabes, por exemplo, a acácia era considerada uma planta sagrada. Era comum que em determinadas tribos, a exemplo da dos Drusos, se saudasse a volta do Sol no solstício de inverno agitando um ramo florido de acácia seguida da aclamação “Huzzah!” (Viva!) ou, conforme os dialetos locais, “Uezzah!”
.
Se faz oportuno mencionar que a referência solsticial é a de inverno ao norte, sobretudo por ser o hemisfério mais comum às regiões onde floresceram a maioria das antigas civilizações. O solstício de inverno na meia-esfera norte ocorre quando o Sol atinge o ponto máximo da sua inclinação ao sul (21 de dezembro). Após ter atingido a maior declinação na sua eclíptica, aparentemente o Sol parece iniciar o seu retorno do sul para o norte – esse ponto solsticial é também conhecido como porta solsticial. Cabe destacar que a máxima inclinação do Sol projeta sobre cada um dos hemisférios terrestres os trópicos de Câncer ao norte e Capricórnio ao sul. A título de ilustração as Colunas B e J demarcam, no REAA, a passagem desses trópicos no Templo.

Retomando os comentos sobre o solstício ao norte, no misticismo árabe, era nessa oportunidade que ramos floridos da acácia eram agitados para se dar vivas (Huzzah!) ao Sol que aparentemente iniciava a partir dali o seu retorno ao norte, trazendo consigo luz e calor (conforto). As agruras do inverno estavam com seus dias contados. Vale registrar que após a implantação do Islã essa prática de saudar a volta do Sol seria proibida por Maomé.

Em que pese alguns autores defenderem Huzzé (Viva) como palavra de origem escocesa, alegando que essa é uma aclamação utilizada pelo Rito Escocês Antigo e Aceito, numa análise mais acurada essa tese não se sustenta, pois esse Rito, embora traga de fato na sua liturgia essa aclamação que fora herdada no século XIX das Lojas Mães Escocesas em França (Marselha, Avinhão e Paris), ele, como REAA, não é originário da Escócia, porém da França. Destaque-se que o rito é mais conhecido na Europa como Rito Antigo e Aceito e não como Rito Escocês Antigo e Aceito. O nome “escocês” a ele dado nada tem a ver com a sua nacionalidade – vide a história dos primórdios do escocesismo na França – séculos XVIII e XIX.

Reitera-se então assim, que a aclamação Huzzé não é a simples tradução de acácia, bem como também não é parte de nenhum um dialeto escocês como querem afirmar alguns tratadistas. De fato, a aclamação é pertinente ao REAA desde a consolidação dos seus rituais no século XIX, mas isso não lhe garante nenhuma autenticidade, digamos... Huzzé como produto escocês.

A origem mais provável da aclamação Huzzé (Viva) é a de que a mesma seja uma corruptela de pronuncia na língua inglesa, haurida dos tempos em que grande parte das regiões árabes permaneceram sob domínio britânico. Nesse sentido, estima-se que tal como a aclamação ip hurrah! que significa “viva!”, ou “salve!”, Huzzé seja também uma corrupção linguística de "viva!" propiciada pelos ingleses através da palavra árabe Huzzah, ou Uezzah.

Contudo, desafortunadamente ainda alguns autores desatentos e se utilizando da lei do menor esforço acabaram confundindo a locução árabe Huzzé, que significa em linhas gerais a aclamação "viva!" - então feita ao Sol com um ramo florido de “acácia” - com o próprio espécime vegetal. Dessa falsa interpretação resultou no equívoco de que o gênero vegetal "acácia" seja "huzzé" no idioma árabe, o que não é verdade, pois acácia é o espécime vegetal que produz o ramo florido que é utilizado para dar vivas à volta aparente do Sol. Em síntese, a acácia fornecia o adereço que era agitado pelos os homens enquanto bradavam ao Sol... Huzzé! - o mesmo que Viva! Salve!

Por outro lado, muitos maçons ainda precisam compreender que a antiga prática de saudação ao Sol, oriunda dos cultos solares da antiguidade, foi inserida na liturgia maçônica como uma alegoria moral e nunca como elemento de adoração para proselitismos de crenças particulares. Destaque-se que o misticismo envolvendo a saudação à volta do Sol é um costume muito antigo entre as civilizações. Veja como exemplo a expressão latina "natalis invicti solis" (o nascimento do sol invicto). Os períodos solsticiais, tão marcantes dos ciclos da Natureza, foram também para os “cortadores da pedra” no passado medieval importantes marcos para o desenvolvimento dos ciclos do ofício operativo durante as construções. Com isso, a Moderna Maçonaria preserva no seu simbolismo essa alegoria solsticial, muito particularmente o REAA, contudo isso jamais teve o desiderato de dar suporte a credos e nem mesmo alicerçar proselitismos religiosos. Huzzé, relacionado aos solstícios é em Maçonaria uma saudação à Luz (Sabedoria) e nada mais.

Cabe reiterar que a liturgia maçônica adota várias manifestações do pensamento humano na intenção de construir sua doutrina destinada ao aprimoramento humano. No caso específico da liturgia do REAA, de conotação em grande parte deísta, pode-se dizer que nas suas práticas ritualísticas estão presentes alegoricamente, dentre outros, a evolução anual da Natureza – vide a decoração do Templo e a sua relação como movimento aparente (anual e diário) do Sol. É sob essa óptica que nele existe, nas liturgias do 1º e do 2º grau, a aclamação Huzzé relacionada exclusivamente à alegoria iniciática da Luz.

Nessa exposição figurada, Huzzé (saudação à Luz), no contexto litúrgico do movimento aparente diário do Sol (o da circulação em Loja), aparece como elemento ritualístico em dois momentos nos rituais dos graus de Aprendiz e de Companheiro.

A primeira saudação ao Sol (Huzzé) ocorre durante a abertura dos trabalhos e se refere ao período em que o canteiro (Loja) fica exposto à plena iluminação. Momento de alto significado simbólico, a passagem do Sol pelo meridiano do Meio-Dia ocasiona um tempo de extrema igualdade. Figuradamente, o Sol no zênite reduz as sombras. Esotericamente nessa oportunidade ninguém faz sombra a ninguém. Momento de iluminação plena, o Meio-Dia propícia o início dos trabalhos. Se refere também à juventude.

A segunda saudação ao Sol, embora pareça contraditória já que figuradamente o astro rei está no seu ocaso, a mesma se dá ao final dos trabalhos, ou à Meia-Noite. Explica-se essa passagem litúrgica como sendo um meio de lembrar aos operários que mesmo a Luz estando no seu ocaso, é certo que outro dia irá raiar (esperança). Esotericamente essa passagem ensina que mesmo quando mais escura é a madrugada, mais próximo está o raiar de um novo dia. Meia-Noite é o emblema do fim da jornada, ou o fenecimento de um ciclo. O corpo é então devolvido à mãe Natureza e a régua da vida medirá se a obra produziu bons brutos para que se eternizem na mente dos pósteros. Huzzé, aclamação ao final da jornada denota que a Luz é imortal – um dia sempre surgirá atrás do outro.

Concluindo, Huzzé (com o "é" pronunciado abertamente) é uma antiga aclamação árabe que significa “viva!” ou "salve!". Em Maçonaria, como aclamação à Luz, Huzzé nada tem a ver com atos supersticiosos e crenças acercadas de vibrações ocultas, gritos, chacras, egrégoras, etc. A aclamação ao Sol, retirada dos cultos solares da antiguidade e adaptada para saudar a Luz no movimento diário do Sol, é simplesmente um meio típico de instigar no maçom o respeito à Sabedoria e ao Esclarecimento. O simbolismo maçônico não trata de adorações, mas busca nos métodos velados por alegorias e ilustrado por símbolos perscrutar a Verdade e não distorcer a razão.

T.F.A.

PEDRO JUK



REAA - TRANSMISSÃO DA PALABRA NA ABERTURA E NO ENCERRAMENTO


Blog do Ir.´. PEDRO JUK

Em 21/02/2020 o Respeitável Irmão Marcos Marinho Monteiro, Loja Acácia do Agreste, 4.464, REAA, GOPE-GOB, Oriente de Tupanatinga, Estado de Pernambuco, solicita esclarecimentos para o que segue:


TRANSMISSÃO DA PALAVRA NA ABERTURA E ENCERRAMENTO.



São duas questões (dúvidas) relacionadas com o que diz no Ritual e o que é praticado em algumas Lojas.

Me permita simplificar a máximo a minhas dúvidas.

1. A prática ao receber ou transmitir a Palavra Sagrada em algumas Lojas tem o costume de dar aquele famoso abraço entre os interlocutores. Essa prática procede?

2. Na abertura ou fechamento dos trabalhos, logo após ser transmitida ou recebida a Palavra Sagrada, as Luzes voltam a ficar a Ordem, Dúvida: qual é o momento exato para que as Luzes desfaçam o sinal de Ordem?

a) Imediatamente após transmitir ou receber a Palavra Sagrada dos Diáconos?

b) Simultaneamente Após o 2º Vigilante bater o malhete e afirmar que está J∴ e P∴ na Coluna do Sul?
c) Simultaneamente Após o 1º Vigilante bater o malhete e afirmar que está J∴ e P∴ em ambas as CCol∴?

d) Simultaneamente Após o Venerável Mestre desfazer e dá prosseguimento com abertura ou fechamento dos Trabalhos?

e) Nenhuma alternativa?

CONSIDERAÇÕES.

No REAA a transmissão da Palavra Sagrada como ato litúrgico, tanto na abertura como no encerramento, deve seguir algumas regras. Porém, antes de qualquer comentário a respeito, é bom que se diga que essa transmissão não deve ser tomada como ato de telhamento, até porque essas passagens litúrgicas se dão entre Mestres Maçons (Art. 229 do RGF - cargos são privativos de Mestres Maçons) e tem a finalidade de rememorar uma antiga prática que era exercida nos canteiros da Idade Média onde trabalhavam os nossos ancestrais.

Já comentei bastante sobre o porquê dessa transmissão, onde especulativamente são revividas práticas operativas do passado. Num breve relato, a respeito, destaco que na Maçonaria Operativa quando iniciava seus trabalhos nas velhas construções, por primeiro (procedimentos de abertura) eram erguidos os cantos da obra. Eram aprumados e nivelados para que a elevação das paredes viesse sair a contento - conforme as exigências da Arte, isto é, justos e perfeitos.

Ao final da etapa, antes do encerramento da jornada, o serviço era então examinado e do mesmo modo conferido com o nível e com o prumo. Se estivesse tudo a contento, ou seja, justo e perfeito, os operários eram então despedidos e merecidamente pagos pelo serviço prestado. Essa é uma das razões pela qual os Vigilantes especulativos têm até hoje como joia distintiva o Nível e o Prumo, respectivamente.

Como na Maçonaria Especulativa os trabalhos são apenas simbólicos, no lugar das aprumadas e nivelamentos dos cantos e paredes, atualmente isso foi substituído pela transmissão de uma palavra. Se ela estiver correta na sua comunicação, subentende-se de imediato que tudo está justo e perfeito (simbolicamente nivelado e aprumado). Com isso, os trabalhos especulativos podem ser abertos ou encerrados. Superficialmente é esse o significado da transmissão da Palavra Sagrada que ocorre nessas ocasiões. Mais informações a respeito podem ser encontradas no Blog do Pedro Juk em http://pedro-juk.blogspot.com.br

No tocante ao item 01 da sua questão, não existe nenhum abraço ou coisas do gênero entre os interlocutores durante a transmissão da palavra – vide explicações detalhadas a respeito no Sistema de Orientação Ritualística do GOB em http://ritualistica.gob.org.br

Concernente ao item 02 da sua questão, explicações minudenciadas também se encontram no Sistema de Orientação Ritualística, cabendo, entretanto, o seguinte comentário:

a) Abertura – no ato transmissão da palavra ninguém fica à Ordem porque a Loja ainda está em processo de abertura e não propriamente aberta. Lembro que salvo quando da verificação pelo(s) Vigilante(s) para que se saiba se todos os presentes são maçons, os sinais somente poder ser feitos se a Loja estiver formalmente declarada aberta. Assim, conforme o Ritual, durante a transmissão da palavra para a abertura dos trabalhos ninguém fica à Ordem no REAA.

b) Encerramento – quando ocorre a da transmissão da palavra para o encerramento, observe-se que a Loja ainda está aberta, portanto, os protagonistas da transmissão, quando em pé e parados frente a frente um do outro, ficam à Ordem. Estar à Ordem significa manter o corpo ereto, pp∴ em esq∴ compondo o Sin∴ do Grau. Vide explicações detalhadas no Sistema de Orientação Ritualística do GOB – http://ritualistica.gob.org.br

Concluindo, remeto o Irmão a consultar o site do GOB RITUALÍSTICA onde, reitero, as explicações se encontram bem detalhadas. Lembro que o Sistema de Orientação Ritualística está amparado pelo Decreto 1784/2019 do Grão-Mestre Geral e deve ser aplicado desde a sua publicação (Boletim Oficial do GOB nº 31 de outubro de 2019) sobre os rituais. Para acesso à plataforma o Irmão deverá ter às mãos o seu GOB-CARD, CIM e saber informar a Palavra Semestral.

T.F.A.

PEDRO JUK



PROEMIO (PREFÁCIO) AO ESTUDO DA ABÓBADA CELESTE





“O que é na verdade mais belo que o céu, que, certamente, contém todos atributos da beleza? Isto é proclamado por seus verdadeiros nomes, “Caelum” e “Mundus”, este último significando clareza e ornamento, como a escultura antiga.” Copérnico – As Revoluções das Órbitas Celestes, 1543

Citadinos, cercados por horizontes edificados, dificilmente olhamos para o alto: esquecemos o firmamento! Ninguém mais tem ócio para contemplar. Olvidamos os mitos celestes de antanho, e o céu passou a texto e vivência da tecnologia. A abóbada celeste, palco outrora dos deuses e dos heróis míticos, nada mais tem a dizer ao homem urbano, pois esse cedeu seu lugar aos especialistas. Vênus? Três Marias? Sirius? Poucos são aqueles que aprenderam a identificá-los, e sequer pensam em apontá-los aos filhos.

Hoje, conhecer os planetas e as constelações, seus mitos e estórias, é tão útil, ou inútil, quanto saber o que significaram na História. Assim pensa a maioria, seja ela citadina ou maçônica, e poucos cultuam a celeste tradição de milênios…

Deploravelmente, isso levou a deformações na Abóbada Celeste escocesa. Em alguns templos, as modificações foram tantas que o “painel celeste” desapareceu! E, absurdamente, o substituíram por um simulacro do céu astronômico – pretensiosamente atualizado, enxameado de N pontos luminosos distribuídos a esmo. Assim, embora artisticamente embelezado e provido de recursos técnicos, como se fora um planetário, ele nada aponta e nada acrescenta à busca do Iniciado, a não ser mostrar seu faiscante mutismo.

Por outro lado, naquelas Lojas que conservaram os cânones celestes do Rito, a sóbria abóbada também está emudecendo – calada por falta de intérpretes!…

Na verdade, aquém e além do Pórtico, a cobertura celeste está dissociada de nossa vivência, seja ela maçônica ou profana.

Segundo Carl Sagan, em “Cosmos”, os homens são “filhos das estrelas”. Infelizmente, não enxergamos isso no dossel estrelado. Os Augustos Mistérios que lá estão, jazem no dizer ritualístico, letra-morta, pois não tentamos decifrá-los nem buscamos suas mensagens na Abóbada Celeste!

Exagero? Talvez! Mas cultuamos o respeito à Tradição. E essa diz que o teto estrelado das lojas escocesas é uma reminiscência do Antigo Egito que cultuou sobremodo tal conhecimento, acolhido e normatizado no texto inicial do ritual. Daí o nosso inconformismo com mudanças e amnésias ao texto-padrão da cobertura estelar, uma tradição que nenhum maçom – não importando seus títulos ou posição hierárquica – pode mudar alterar ou esquecer. Quando vemos isso acontecer, seja em reformas ou na construção de templos, ficamos em dúvida sobre o apodo cabível a tais iconoclastas: perjuros ou ignorantes! Pois, ou eles têm conhecimento do texto que regula o assunto, e se colocam acima disso, ou o desconhecem, e, no caso, não estão à altura do cargo ou encargo que exercem nem dos conhecimentos que aparentam ter.

– Querem outra abóbada, céu ou teto? É fácil: troquem de rito!

Feita a inserção de nossa inconformidade – e veemente repúdio – com o descumprimento da norma que regula o teto do Templo (páginas iniciais do Ritual de Aprendiz do REAA – praticado pelas GGLL Brasileiras), retornemos ao tema em estudo para mostrá-lo a luz de outros enfoques, quiçá mais amenos.

Estórias egípcias contam que Osíris, para presidir o tribunal das almas, diariamente viajava do Oriente para Ocidente em sua “barca solar”, tripulada por fiéis vassalos – os glorificados (simbolizados nas estrelas pintadas no teto da Câmara do Sarcófago Real). Por analogia, identificamos os “reais companheiros” de então com os exaltados de hoje, pois, seja há milênios ou nos dias atuais, neles e em nós, por extensão e herança, continua perene o espírito e o trabalho de guardiães da Tradição…

Neste trabalho, com o arcaico “proêmio”, forma em desuso para introdução, buscamos realçar o nosso antagonismo às mudanças na abóbada, embora conheçamos outros enfoques, não tão tradicionais quanto o nosso, dentre eles os lavrados pelos renomados irmãos:

Hiran L. Zoccoli, autor da obra “A Abóbada Celeste na Maçonaria”, na qual diz que após examinar divergentes estampas do céu maçônico, confrontando-as com a diversidade dos tetos existentes, estudou os fundamentos da Astronomia, concluindo pela incompatibilidade da presença concomitante de tais aspectos na abóbada do templo maçônico. Daí apresentar e postular, calcadas em padrões da Astronomia, duas novas abóbadas: uma para as lojas do Hemisfério Norte, e outra para as do Sul. Nelas insere todas as constelações zodiacais e todos os planetas conhecidos do Sistema Solar, acrescentando na boreal a Estrela Polar e na austral a constelação do Cruzeiro do Sul.

Evidentemente, não concordamos com tal posicionamento. Os nossos fundamentos celestes colidem. Enxergamos a perenidade da Tradição nas “figuras” rejeitadas por Zoccoli, enquanto ele, com os olhos da Ciência, buscou a mutabilidade temporal e espacial do firmamento. Donde, a nossa mútua exclusão de tetos…

José Castellani, em diversas de suas obras, e nas revistas “A Trolha” e “O Prumo”, diz ser suficiente para Simbologia Maçônica que somente o Sol, a Lua e as nuanças de cor Dia/Noite estejam na Abóbada Celeste, não sendo essencial a presença dos planetas e estrelas, acrescentando que no passado o teto das lojas ostentavam a representação (pantáculos) das doze constelações zodiacais (Rev. “A Acácia” nº 29/1995).

Castellani, conceituado pesquisador, parece preferir um modelo mais antigo da Abóbada Celeste (similar à descrição feita por Prichard em 1730), mas que entendemos válido só em outros Ritos ou, talvez, no Escocês de Obediências não cingidas ao ritual de 1928 das GGLL.

E mais, Castellani, quando mostra o céu maçônico – que diz conter as constelações zodiacais – apresenta uma das “antigas estampas”. Mas comete aí um deslize! Aquela gravura, e outras similares, contêm asterismos austrais, boreais, equatorial e somente quatro zodiacais: Virgem, Touro, Leão e Escorpião! Constelações essas que foram os primeiros “marcos” da estrada solar dos deuses celestes, onde mais tarde se agregaram outros quatro e, finalmente, no século VI a.C. o duodenário círculo ficou completo. Portanto, é importante frisar, a Tradição não contempla o céu maçônico escocês com todo o zodíaco, mas sim e somente com a representação daquelas que a antiga Mesopotâmia formatou.

Concluindo, é gratificante constatar que Castellani assevera ser correta a decoração celeste que siga um padrão (e descreve o nosso), dizendo-o sem estrelas a esmo e sem o Cruzeiro do Sul, que aponta como presente em Templos irregulares (Caderno de Estudos Maçônicos nº 2 – J.Castellani – pág. 65).

Todo prólogo busca cativar o leitor, predispondo-o em favor da obra que apresenta. Propositadamente, fizemos o contrário: ressaltamos a ignorância que paira sobre o tema em exame, a fim de motivar à ação de conhecer e de restaurar a nossa tradicional abóbada celeste. Nessa missão, nos lançamos à condição de palestrante e de articulista. Agora, transcorrido um tempo razoável, constatamos que a palavra ecoou, mas com pouca eficácia na comunicação escrita; faltou um texto convincente para ativar a imaginação escocesa, fazendo-a recordar os porquês de sua ancestral cobertura. Tal insight é um dos propósitos deste proêmio, quiçá – a bem do Rito -, tenhamos êxito.

Até aqui, de diferentes modos, expressamos a ideia de um painel presente no teto do templo, realmente é isso que lá está, um grande mural ou um enorme afresco. Como tal, não pode espelhar um momento específico ou único do firmamento, mas sim, e simultaneamente, diversos. No mínimo, tantos quantos são os astros presentes na simbólica e alegórica abóbada arquitetada por ignotos mestres e deixada à decifração da posteridade escocesa.

Ouvindo amortecidos ecos da linguagem perdida da Tradição – traduzimos:

– meu sobrecéu – com os luzeiros do Dia e da Noite, nuvens, planetas e poucas estrelas -, cobre do Setentrião ao Vale dos Reis ao Meio-Dia, de Albion ao Ocaso ao mundo de Zoroastro no Nascente. Sob tal dossel vi nascer as duas primeiras lojas míticas: a Operativa e a Escocesa! A primeira em Jerusalém, no átrio do Templo em construção – a segunda na Escócia, na Montanha de Heredon em Kilwinning. Acompanhei a construção dos “Castelos de Mil Anos” no Antigo Egito, o Partenon grego, o Coliseu romano e os trabalhos de levantar Catedrais na Europa. Presenciei a recepção dos Aceitos, a Iniciação dos primeiros Especulativos e os magnos eventos maçônicos de 1717. Dou voz à Astreia, Osíris, Cronos, Orion e a muitos outros… Meus asterismos, isoladamente ou no conjunto de suas constelações, evocam o trabalho feito em prol da Humanidade por todos os grandes avatares, filósofos e líderes do Bem, e também simbolizam o Direito, a Justiça, a Paz e a Fraternidade… Em síntese, com meus astros e em suas recíprocas relações físicas e esotéricas, apresento o conhecimento das estruturas míticas, espirituais, históricas e culturais do mundo maçônico.

Duas afirmações da “fala do teto” são basilares, portanto devem ser imediatamente elucidadas (as demais ficam para trabalhos subsidiários), são elas: a dos limites de cobertura e a do número restrito de estrelas. Para a melhor compreensão, vamos vê-las separadamente:
A primeira, quando declaramos que a loja tem a forma de um quadrilongo, repetimos o conceito medieval de que o mundo conhecido não ia muito além da bacia do Mediterrâneo (“o meio da terra”). Conhecimento que, embora bem mais amplo, ainda perdurava entre os Operativos (séc. XI), pois eles, e a maioria dos europeus de então, ainda entendiam a Terra como plana e centrada em Jerusalém. Seus limites refletiam-se sideralmente: ao Norte, a região da ignota e frígida Ursa Maior, ao Sul, as ensolaradas paragens do Egito, com Formalhaut tangenciando o horizonte e, longitudinalmente, o curso do Sol, dos páramos dos Reis Magos aos abismos do ignoto Atlântico.
A segunda, do quartado céu das estrelas reais do Mundo Antigo (Mesopotâmia e adjacências), emergem as zodiacais Fomalhaut, Aldebaran, Régulus e Antares, quando, há mais de 4000 a.C., sinalizavam o início das estações. Saber celeste, e mágico, essencial aos ritos religiosos e às atividades agrícolas de então. Conhecimento que Hesíodo, contemporâneo de Homero, aponta como não casual em Os Trabalhos e Dias, mas sábia combinação, pois, na fase primitiva da agricultura, toda regra era uma observância religiosa e moral, cujas leis tinham uma base prática para fazer crescer as colheitas.

Os Antigos, já vimos, tinham somente quatro estrelas reais, no entanto, o texto escocês inclui, no noroeste do teto, mais uma em tal conjunto, e a realça em vermelho – Arcturus, a mais brilhante estrela boreal. A motivação de tal “realeza” explanamos noutro trabalho, contudo, convém relembrar que tal asterismo por seu posicionamento, brilho e cor, tanto pode simbolizar o R∴E∴A∴A∴ quanto a primeira Grande Loja-Mãe do Mundo…

Também postas à reflexão escocesa, temos ainda as quinze estrelas “principais” agrupadas em três conjuntos (3+5+7), acrescidas de mais sete da Ursa Maior, totalizando 22. Curiosamente (?) tantos quantos são os cabalísticos “Caminhos da Árvore da Vida”…

Completando a totalidade de nossas poucas estrelas, sucintamente referenciadas, falta mencionar que, com a Spica, estão todos os Mistérios gregos, com o Sol (estrela de 5ª grandeza), todas as hierofanias, e – fechando o conjunto estelar – com a estrela de cinco pontas, Sírio, está a magna estrela do Egito.

Concluído o exame, e totalizando-o, alcançamos o restrito número de trinta estrelas! Por que tão poucas? Não seria mais lógico, condizente com o Rito, se fossem 33 asterismos? Qual o significado dessa inconcludente série?

Existem algumas possíveis respostas, dentre elas, duas talvez correspondam à ideia-mater dos longínquos mestres da abóbada. Uma decorre das trinta dinastias egípcias, permitindo até acomodar a exclusão dos faraós não autóctones; a outra, apontando a presença de estrelas binárias em Sírius, Régulus e Antares (ocultas à visão desarmada), conclui: 30+3=33…

Zoroastro, no Avesta, assim expressa a abóbada: “há as estrelas, que são os bons pensamentos; as boas palavras são a Lua; e o Sol é as boas ações…” Nós, sem tal expressividade poética, vamos dar continuidade ao nosso périplo celeste, agora enfocando o Sistema Solar presente em nosso teto. De chofre, uma descoberta: não é o do nosso tempo! É o do século XVII, o dos primeiros “aceitos”! Pois ainda não contempla Urano, Netuno e Plutão, mas já conhece anéis e satélites, através da luneta de Galileu, e os faz representar em Saturno e não em Júpiter, embora tenham sido descobertos 45 anos antes nesse do que naquele planeta. Paradoxo? Não! Somente mais uma prova de que a Abóbada escocesa é solidária à Tradição e não à Astronomia, pois em torno de Saturno – a joia do céu – tais “adornos” têm conotações esotéricas, o que não ocorre com os de Júpiter, daí a presença de uns e a ausência de outros.

Além disso, tal conformidade se reafirma, e se faz inequívoca, com a exclusão de Marte (Ares) e a presença do seu antônimo, o anti-ares (Antares), pois, repelindo aquele astro e acolhendo este, enfaticamente expressa sua repulsa ao simbolismo do ferro e de irrestrita adesão ao fundamental princípio de não-violência no Templo da Paz.

Diz um provérbio hebraico: ensinar o antigo é mais difícil que ensinar coisas novas. Repelimos tal assertiva. Ela espelha e propaga a errônea ideia de que a Tradição seja algo estagnado, ultrapassado e sem liames com o presente. Neste trabalho, buscamos desmentir aquela máxima, reafirmar a perenidade da Tradição e tornar fácil a recepção das informações atinentes ao tema em pauta. Moveu-nos o propósito de mostrar que é possível o “re-conhecimento” da Abóbada, da qual fizemos um inacabado esboço, onde alguns astros sequer foram mencionados, uns já publicados e outros em andamento, tais como:

o neófito – em Aldebaran, no Olho Rutilante do Touro;
a Torre de Babel, a Iniciação e a tríade egípcia – em Orion;
o Caos, Zoroastro e o féretro de Osíris – na Ursa Maior;
Cronos e a Idade do Ouro – em Saturno;
a régua dos céus, Hiran de Tiro e Éracles – em Régulus;
o tabu do ferro – em Antares;
a estrela de cinco pontas – em Sirius;
os Mistérios gregos – na constelação da Virgem;
os utensílios do arquiteto, o labirinto e Dédalo – em Arcturus.

Esses títulos e outros abrem os trabalhos complementares em torno da Abóbada Celeste. Portanto, ainda temos muito a navegar nos caminhos de nossa jornada intelectual, que também será de auto-reconhecimento, através dos arquétipos evocados…

Finalizando, há uma indagação que já deveríamos ter elucidado quando buscamos conciliar a quantidade de estrelas com os graus do Rito, ou com a seqüência dinástica egípcia, pois ali estava o contexto pertinente para mostrar por que só duas constelações são vistas na íntegra em nosso teto. Ou seja, todas as constelações estão incompletas, com exceção da Ursa Maior e Taurus. Por quê?

Evidentemente, a resposta não cabe no espaço restrito do fecho deste prólogo. Porém devemos – tal como já fizemos em antecedentes passagens -, deixá-la, no mínimo, expressa de uma forma tal que permita o sumário entendimento do seu arrazoado, o que implica na compreensão, segundo a ótica dos Sarcófagos, de “elevação até o princípio” que entra, através do hieróglifo “SBA” =estrela=porta, na composição de palavras como educar, instruir, ensinamento…

A Astronomia, a Religião e a Antropologia concordam em situar na pré-história a formatação das duas primeiras constelações, a da Ursa Maior e a de Taurus. Também lhes atribuem a mesma motivação ao nome que ganharam – o das grandes feras que povoaram os terrores dos homens -, os quais então, para exorcismá-las, as cultuaram. Coube à Grande Ursa o primeiro destaque: o frio glacial, as grandes tempestades, a deificação do Mal e do Caos…

Posteriormente, avançando para as primeiras manifestações da história mesopotâmica, quando o pavor já fora amainado em temor, surge em substituição a “astrolatria” o que alguns especialistas do Sagrado (Cirlot, dentre eles) denominam de “astrobiologia”, ou seja, a penetração recíproca da lei astronômica e da vida vegetal e animal. Tudo é, ao mesmo tempo, organismo e ordem exata. A agricultura e a pecuária obrigam a reprodução regular de espécies nitidamente determinadas e o conhecimento de seu ritmo anual de crescimento que está em relação direta e constante com o calendário, quer dizer, com a posição de alguns astros. É o momento do grande Touro – o mítico reprodutor que brama na voz do trovão -, anunciar a Primavera e o “renascimento”…

Tais símbolos arquétipos, como diria C. G. Jung, ficaram impressos no inconsciente coletivo. Portanto, para simbolizar os primeiros passos no sentido da compreensão dos Augustos Mistérios, o Rito Escocês acolheu com destaque no conjunto de suas estrelas “principais” a representação integral da Ursa Maior e de Taurus. Esotericamente é um realce encobrir cânones – assim, o texto normativo ao expressar tais constelações de modo velado, as salienta: a primeira não é dita com quantos asterismos se compõe, e a segunda vem supressa de sua denominação estelar…

Concluindo, em nossa abóbada escondem-se os princípios morais, as leis naturais, os grandes contrastes e transformações que regem o transcurso da vida cósmica e humana. Há em seu contexto um pensamento orientado. um eco da Tradição esotérica que nos diz o Transcendente e o Imanente, enquanto nos passa o sentido dos Mitos Sagrados dos alvores da humanidade. Mas também nos reforça a convicção de que esse “vir e passar” vai além: perpassa!… Alcança no centro do teto, na incompleta representação de Orion, a atual e ainda parcial consecução da religiosidade mosaico-judáico-cristã. Por fim, aponta o futuro, um ponto: Fomalhaut, referência astronáutica, estrela alfa da Constelação do Peixe Austral que, no mítico passado, pertencia ao signo de Aquário… Enfim, Portais e Ciclos que um dia nos conduzirão à Fraternidade Universal!

Uma oração do Avesta diz: Anuncie, Zoroastro, que aqueles que amam as coisas do céu obterão uma excelente recompensa. E nós complementamos: desde que os “inventivos” não modifiquem o texto e o contexto da Abóbada Celeste!


Autor: Adayr Paulo Modena – M∴ I∴
ARLS Cidade de Porto Alegre, Nº 47